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Análise: The Normal Heart

  • Foto do escritor: F. S. Lawliet
    F. S. Lawliet
  • 24 de jan. de 2018
  • 4 min de leitura


O filme The Normal Heart, dirigido por Ryan Murphy e estrelando Mark Ruffalo, Julia Roberts, Matt Bommer e Jim Parsons, é baseado na peça homônima escrita por Larry Kramer, também roteirista do filme. O filme retrata a realidade hedonística da comunidade homossexual sendo aos poucos ameaçada pelo surgimento de uma doença, à princípio chamada de “câncer gay”, e tardiamente identificada como a AIDS. O protagonista Ned Weeks (Ruffalo), inicialmente um homossexual mais fechado que tenta não se envolver nas questões políticas de sua comunidade, resolve tomar as rédeas da iniciativa de conscientização acerca dessa doença, porém com sua forte personalidade abalando seus relacionamentos com as pessoas ao seu redor.


Sendo um enredo carregado principalmente por seus personagens, cada um adiciona uma carga emocional singular e própria para a história como um todo. Weeds é um escritor nova-iorquino abertamente gay, que quanto mais o filme avança mais mostra uma personalidade forte, de liderança e confrontamento, que acredita que o embate direto com as autoridades que ignoram a epidemia (antes mesmo de ser identificada como um vírus) é a melhor maneira dele e do restante da comunidade conseguirem fundos e suporte para a pesquisa da cura.

A médica responsável pelo tratamento e pela pesquisa inicial de cura, Dra. Emma Brookner (Roberts), é introduzida ao filme logo que a primeira pessoa a ficar doente é levada ao hospital. Mesmo estando em uma cadeira de rodas ela se mostra firme e resoluta em achar uma solução, e apesar de seus esforços iniciais serem motivo de chacota tanto no seu ambiente de trabalho com outros médicos quanto com a comunidade gay que ela está buscando ajudar, ela consegue fazer com que sua preocupação com a epidemia seja ouvida entre os que mais são afetados por ela na medida em que se torna mais séria, ao mesmo tempo em que adquire familiaridade com o universo dos homossexuais e a sua luta por expressão.


Outros personagens dignos de nota são Bruce Niles, interpretado por Taylor Kitsch, que é o diretor responsável apontado pelo grupo que presta atendimento e arrecada fundos para a AIDS; Tommy Boatwright (Parsons), responsável por prestar ajuda e contabilizar as vítimas e que tenta manter a harmonia do grupo nos momentos de desentendimentos e discussões; e o irmão mais velho de Ned, Ben Weeks (Alfred Molina), um advogado que não consegue aceitar a orientação sexual de seu irmão como algo normal.


Praticamente todos os personagens do filme, com algumas exceções (as principais sendo a Dra. Brookner e Bem Weeks), são homens homossexuais, que em sua maioria possuem empregos e conseguem se manter financeiramente, se conhecem e se encontram esporadicamente para se divertir, seja em redutos paradisíacos como no início do filme, seja em festas em boates, como no caso da comemoração de fundos arrecadados. Aqui o estereótipo performático do homossexual libidinoso e degradante é quebrado por retratar estes homens, apesar de estarem sofrendo com uma epidemia, enfrentando também problemas normais em seus relacionamentos e de convivência. E, no caso de Ned, podemos ver até a sua luta com o seu irmão para que ele o aceite do jeito que é.


É dito pelos personagens em um momento no filme que seus hábitos sexuais são a sua maneira de ativismo, de sua luta por direitos. Trata-se aqui de uma subversão do padrão construído pela sociedade patriarcal heteronormativa e que é esperado dos homens, em especial homens aparentemente comuns com vidas e problemas comuns (visto que o padrão heteronormativo já encara performances mais explícitas de maneira estereotipada como “casos à parte” e “anormais”), uma vez que estes mesmos homens, no início do filme, curtem suas liberdades sexuais sem preocupação ou repressão, ao mesmo tempo em que quebram a idéia de que o que estão fazendo seja estranho e incomum.


Esta luta, da mesma maneira que é ilustrado no filme todo o processo da organização da comunidade gay de Nova York para a pesquisa e o tratamento da AIDS e, como referenciado por Ned, o caso de Alan Turing, criptólogo britânico responsável por quebrar o código nazista durante a Segunda Guerra Mundial com uma máquina ancestral aos computadores, e que foi condenado por ser homossexual e acabou se suicidando em 1954, é a sua invisibilização da história justamente por não se encaixar nos padrões heteronormativos na disputa pela relevância. Essa invisibilização é referenciada ainda nas considerações ao final do filme que admitem que o governo de Reagan detectou tardiamente a epidemia do HIV (depois que o vírus também começou a infectar heterossexuais) e que mesmo assim um ano depois os fundos destinados a esta pesquisa foram drasticamente reduzidos.


No entanto, a personagem que se encontra mais invisibilizada na narrativa do filme é a Dra. Brookner. Possuindo limitações severas na locomoção devido a o fato de ter contraído poliomielite na infância, a Dra. Brookner faz o uso de cadeira de rodas durante quase todo o filme. No entanto, essa posição que poderia ser considerada inferiorizada não a impede de realizar o seu trabalho da melhor maneira possível, ou de ter uma opinião forte e fundamentada e uma disposição resiliente para defende-la. Apesar disso, durante a primeira reunião que ela tem com um grupo de homossexuais preocupados com a doença (neste momento ainda não classificada como proveniente de um vírus) ao sugerir que seus estilos de vida poderiam ter ligação com a transmissão e contágio, eles reagem agressivamente, ridicularizando-a e desmerecendo qualquer outra coisa que ela tivesse a dizer, forçando-a a deixar o local. Percebe-se aqui uma contradição clara que mostra que, por mais que a subversão aconteça, ela ainda parte do mesmo padrão que ela tenta desconstruir, e traz os mesmos mecanismos de defesa e de manutenção da disputa pelo poder do discurso se suas idéias são questionadas ou problematizadas de alguma forma.


Isso também ocorre em uma cena próxima ao término do filme onde um homem encaminha a ela a decisão do corte da verba para sua pesquisa, argumentando que não possuía foco. A defesa furiosa da Dra. Brookner acaba por exteriorizar o que poderia ficar internalizado em uma situação similar no mundo real; uma pessoa gozando de plenos privilégios no padrão patriarcal heteronormativo impõe sua superioridade de maneira consciente e deliberada àquele(a) que não o faz (ainda que seja menos capaz e/ou eficiente em suas respectivas atividades). Este tipo de situação acaba se repetindo durante todo o filme, contribuindo para perpetuar a invisibilização daqueles que estão desesperados por ajuda.

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