top of page

Crônica: Engrenagem Solta

  • Foto do escritor: F. S. Lawliet
    F. S. Lawliet
  • 25 de jan. de 2018
  • 2 min de leitura

Rua 4, Centro de Goiânia | Fonte: http://www.panoramio.com/photo/52423111

Hoje cedo eu estava andando no centro com alguma pressa, querendo ver se tirava novamente uma nova via do passe escolar de ônibus que eu já havia perdido pela oitava vez. Tinha chovido quando eu saí de casa, e quando eu estava chegando perto do Pathernon Center ainda estava meio frio e úmido, e diversas poças de água se acumulavam na calçada e na rua. Uma delas irradiava dourado, vindo de um poste ainda aceso, sem dúvida por conta de um problema na rede elétrica. Havia pouca gente na rua, e eu andava ligeiro; já tinha sido assaltado nas redondezas em um dia semelhante, e não estava muito a fim de repetir a experiência.


Ao atravessar o pequeno beco que levava ao camelódromo, mais por costume do que por praticidade, me virei na expectativa idiota de talvez ver um carro vindo de um espaço impossível. O beco estava vazio, exceto por uma pessoa. Um homem sentado encostado no prédio, as pernas num jeans folgado juntas ao corpo, a camisa verde-oliva amarrotada, o rosto escondido nos braços. Ao seu redor, alguns folhetos publicitários espalhados e levemente amassados, um gato rajado desaparecendo à distância, miando alto, e um cheiro forte bem característico de uma boca de lobo aberta.


Não seria a primeira vez que eu veria alguém em uma situação assim, e provavelmente não seria a última. Mas isso não serviu de nada para impedir a enxurrada de perguntas que me ocorreram. Por quê alguém estaria em uma região claramente comercial, a pelo menos a uma boa caminhada de distância até a residência mais próxima, antes das sete da manhã de um dia frio? Não sabia se ele tinha passado a noite ali. Não sabia há quanto tempo ele estava ali.

Depois de uma meia hora, tendo pego meu passe e guardado ele em um bolso diferente do que eu normalmente guardo o celular, passei voltando pelo mesmo beco e me virei para ver se o homem continuava lá. E lá ele estava, exatamente na mesma mesma posição, quase como uma estátua de cera. A rua já estava com uma quantidade maior de pessoas andando pra lá e pra cá, cuidando de seus afazeres, talvez até parecidos com o meu. Tentando conquistar a rotina e vencer mais um dia. Assim como a maioria dos dias anteriores e assim como os próximos que viriam.


Pesando tudo que precisamos fazer todos os dias, em que agimos como engrenagens de uma máquina maior, ora fluindo e ora falhando, é de se admirar não só com a força de vontade a qual nos impomos para viver neste contexto pesado e frenético dia após dia, como também em contarmos sempre com essa mesma força para realizar o que queremos e podemos. Pensando assim, talvez não precisemos de um motivo ou uma justificativa para simplesmente sentar na calçada e ser invisível, pelo menos por um momento, à rotina. Talvez até mesmo mereçamos um momento assim.

Comments


Posts Em Destaque
Verifique em breve
Assim que novos posts forem publicados, você poderá vê-los aqui.
Posts Recentes
Arquivo
Procurar por tags
Siga
  • Facebook Basic Square
  • Twitter Basic Square
  • Google+ Basic Square
bottom of page