Análise: The Kids Are All Right
- F. S. Lawliet
- 30 de jan. de 2018
- 4 min de leitura

The Kids Are All Right (Minhas Mães e Meu Pai, em português) é um filme lançado em 2010 sob a direção de Lisa Cholodenko e conta com a participação de Julianne Moore, Annette Bening, Mark Ruffalo, Mia Wasikowska e Josh Hutcherson. O filme conta a história de Nic e June, um casal lésbico que vive em Los Ângeles e tem dois filhos, Joni e Laser. Cada uma das mães deu a luz a um filho (Nic a Joni e June a Laser) usando o esperma do mesmo doador. Laser, que quer conhecer o doador, tenta convencer a irmã já maior de idade a entrar em contato com o banco de esperma para conhecerem sua identidade. Assim, as crianças conhecem Paul, um membro de uma iniciativa de produção local de hortas orgânicas que leva um estilo de vida bem boêmio. A partir do primeiro contato com as crianças, Paul quer se tornar mais próximo da família e participar mais da vida dos “filhos”, e acaba afetando completamente a estrutura familiar de Nic e June.
Aqui, faz-se um bom trabalho em incluir quem assiste ao filme dentro da dinâmica familiar de Nic e June de maneira completamente natural e fluida. Os momentos em família nos quais as duas mulheres interagem entre si e com os filhos, até mesmo para lidar com os problemas que surgem, não são diferentes dos que ocorrem com qualquer outro casal. Esta posição é defendida pela Cláudia Fonseca em seu texto Homoparentalidade: novas luzes sobre o parentesco, quando ela diz: “(...) a homoparentalidade, em muitos aspectos, não é diferente de outras formas de organização familiar”. Destaca-se também a escolha feita pelo casal de ter filhos, não por adoção, mas pela inseminação de esperma doado. Esta técnica é, como muitas outras, bastante restringidas em vários países tanto por sua natureza quanto por seu uso por casais homossexuais. Fonseca cita exemplos na Dinamarca, Holanda, Espanha, em parte na França e em quase metade dos estados dos Estados Unidos onde há base jurídica favorável e bastante procurada para os dois casos.
No entanto, fica muito claro no filme que o casal de Nic e June em si não consegue sair do estereótipo de estrutura heteronormativa padrão. Nic trabalha como uma obstetra, o que é um emprego relativamente melhor do que o de June, que está tentando começar uma carreira em trabalhos de paisagismo. Além disso, Nic se mostra muito mais firme com regras com os filhos e com June, enquanto esta se mostra mais aberta a compreensão e diálogo. Assim, é seguro afirmar que Nic cumpre o papel designado como “masculino” em uma união heteronormativa; a figura de autoridade no âmbito familiar, responsável por introduzir os filhos à ordem social e de ser o principal provedor. Enquanto June cumpre o papel designado como “feminino”; como a cuidadora sensível, muito mais suscetível a erros provocados pelo estado emocional e guiada pelos instinto até mesmo na indecisão de qual área de profissão seguir. Em Novas formas de parentalidade: repensando a função paterna à luz das práticas sociais, Maria Juracy Tonelly Siqueira diz que, num contexto onde novas práticas de parentalidade surgem e sendo estas contraditórias, provisórias, polissêmicas e polifônicas, é possível que “o modelo patriarcal coexista com novos desempenhos do papel de gênero e da paternidade”. O que talvez se justifique, segundo a autora, somando-se à toda a estrutura social que é condicionada a procurar a figura de autoridade familiar em um homem, ou em uma figura masculina.
Nesse contexto, a figura de Paul é a catarse que vira a vida das duas mulheres de cabeça para baixo. O personagem, que se descreve como alguém que nunca se importou muito com obrigações ou compromissos, citando ter abandonado a faculdade porque “achava chato”, de repente se vê envolvido com as crianças que foram geradas com seu esperma doado e, por tabela, com o casal de mulheres, principalmente com June. A princípio e de modo superficial, Paul aparenta tentar um jeito diferenciado de paternalidade, mostrando-se muito mais parecido com June, para com os filhos, mesmo nunca ter tido nenhuma experiência em ser pai antes. No entanto, percebe-se logo que a ilusão de Paul se dá por projetar-se como a figura paterna naquela família, como se esta estivesse “incompleta” sem ele, usando como justificativas maiores o fato das crianças serem seus consanguíneos e terem uma boa relação, além de achar que está apaixonado por June após terem um breve caso, chegando até o ponto de sugerir a ela a opção de fugirem juntos com as crianças após o caso entre eles ser descoberto por Nic e ter a relação prejudicada.
Por fim, The Kids Are All Right é um drama familiar que explora bem o conceito de uma estrutura de família fora do padrão homem-mulher, todos os pontos que tem em comum com qualquer outra família, e bem como suas particularidades. No entanto, o filme peca por desperdiçar o potencial de explorar novas formas de parentalidade apresentando o mesmo padrão patriarcal em um casal lésbico, cujo casamento entra em crise quando há a interferência de um homem (ou como Nic o chama no final do filme, um intruso). Na melhor das hipóteses, o filme cria interesse pelo assunto e instiga a procurar uma filmografia que o aborde de uma maneira mais profunda.
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